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terça-feira, 6 de outubro de 2009

Resposta a Martha Medeiros - Os Ausentes

         

Prezada Martha,

Sou um admirador seu. Aprecio seus textos como quem aprecia um bom vinho, que alimenta, aquece e embriaga levemente.

Ainda, e já isentando esse texto de qualquer condenação, não creio em super-seres. Homens ou mulheres. Gente é assim. Falha. Os melhores maratonistas tropeçam, os melhores malabaristas caem. É simples e humano.

Aproveitando essa deixa, olha, Martha, coitado do Joaquin... Julgado e crucificado entre as suas linhas por um equívoco de pensamento daqueles que acontecem de vez em quando. A gente acorda mal, aquele gosto ruim na boca e na alma, e é obrigado a cumprir uma tarefa extremamente ingrata naquelas condições físicas e mentais. Escrever ou pegar numa enxada, dar uma entrevista ou ir para uma reunião no escritório, não importa. Fazer as coisas contra a vontade, ao contrário do que você afirma, dói sim. E quanta dor e cansaço há nesse texto, não?

Sou um defensor do viver de dentro para fora. O resto são condições e regras de comportamento geralmente arbitrárias com as quais a gente, sim, é obrigado a conviver mas absolutamente não precisa partilhar, absorver ou mimetizar. Expressar essa verdade é legítimo. Disfarçá-la com sorrisos frios é lobotomia social.

Martha, querida, que fique claro mais uma vez que estou aqui lhe defendendo e não acusando. Gostaria mesmo que você tivesse ficada deitadinha, encolhidinha, posição fetal, nesse dia aparentemente tão azedo. Viu só no que deu você se esforçar para sorrir para a platéia? Não deu certo. É chato. Compromete a gente. Vale a descompostura?

Existem diversas brechas no seu texto ótimas para se encaixar algumas bananas de dinamite, mas sua inteligência não permite certas incoerências e, assim que você as comete, a escritora sagaz trata de sabotá-las mesmo que instintivamente.

Explico: você mesma diz "quando uma pessoa se dispõe a dar uma entrevista..." e pronto. Dinamite aí. Quem disse que o coitado do Joaquin se dispôs? E a santa maria do rock? Será que ambos não preferiam ficar tranquilamente na mansão deles, na mesma posição fetal que é democraticamente comum a todos?

Realmente não há super-seres. Existem é super-contratos que nos obrigam a determinadas coisas, assim como maridos insensatos e esposas insensíveis que chantageiam por caminhos tortos. Nesses casos, Martha, grosseria é obrigar alguém e exigir que esse alguém não expresse o descontentamento com um ou outro muxoxo. A cara feia aqui é legitimidade. É defender implacavelmente a humanidade. Decerto o Quinzinho preferiu ouvir o que ouviu do Letterman a ser mais uma entrevista sonolenta, morna e sem sentido. Palmas pra ele.

Mas, Marthinha, é bom deixar patente nessa altura do papo que sua obra lhe redime. É crueldade se ater a esse texto quando o conjunto é tão generoso e brilhante. Melhor esquecer. Ou melhor, não...

...Vale ainda um confete: você é boa até quando é ruim. Senão, analisemos sua última frase agora com a mente mais clara. Há uma incongruência ali que entrega a inconsistência do raciocínio mas nos permite um reparo. O "se não quiser participar, tudo bem..." é perfeito, mas não combina com o ser obrigado pelo marido, mulher ou quem quer que seja a fazer o que não se quer e sorrir socialmente para não ser grosseiro. Uma coisa elimina a outra e o tropeço vem.

Vamos assumir o conflito: devemos, sim, brigar para não sermos obrigados a determinadas coisas e, quando o somos, não há a obrigação de sorrisos-de-mona-lisa. Aqui, nessa sua última linha e ao contrário das regras matemáticas, a ordem dos fatores altera o produto. Permita-me:

"Melhor (para a humanidade) uma ausência desaforada do que uma presença meramente honesta"

Perdoe-me a ousadia.

Abraços.




Os Ausentes - Martha Medeiros

Eu não assisti ao programa, mas soube da história. O jornalista David Letterman recebeu Joaquin Phoenix para uma entrevista. O ator fez juz à fama de bad boy: não parou de mascar chiclete e só respondia com monossílabos e grunhidos, não facilitando o andamento da conversa. Letterman tentou, tentou e, como não conseguiu arrancar nada do sujeito, encerrou a entrevista com uma tirada que me pareceu perfeita: “Joaquin, uma pena que você pôde vir esta noite.”

Quando uma pessoa se dispõe a dar uma entrevista, tem que entrar no jogo: responder com generosidade ao que foi perguntado e valer-se de uma educação básica, caso tenha. É bom lembrar que a maioria das entrevistas não é feita apenas para dar ibope ao programa, e sim para ajudar na divulgação de algum projeto do convidado. Ambos saem ganhando. Só quem não ganha é a plateia quando o convidado finge que está lá, mas não está. Madonna é até hoje o trauma da carreira de Marília Gabriela, pelos mesmos motivos.

Claro que há quem defenda a atitude de Phoenix com o argumento da “autenticidade”, mas existe uma sutil diferença entre ser autêntico e ser grosso. É muita inocência achar que podemos prescindir de uma certa performance social. Espero não estar ferindo a sensibilidade dos “autênticos”, mas de um teatrinho ninguém escapa, a não ser que queiramos voltar a viver nas cavernas.

Não sou de me irritar facilmente, mas acho um desrespeito quando uma pessoa faz questão de demonstrar que não compactua com a ocasião. São os casos daqueles que se emburram em torno de uma mesa de jantar e não fazem a menor questão de serem agradáveis. Pode ser num restaurante ou mesmo na casa de alguém: estão todos confraternizando, menos a “vítima”, que parece ter sido carregada para lá à força. Às vezes, foi mesmo. Sabemos o quanto uma mulher pode ser insistente ao tentar convencer o marido a participar de um aniversário de criança, assim como maridos também usam seu poder de persuasão para arrastar a esposa para um evento burocrático. Não importa a situação: saiu de casa, esforce-se. Não precisa virar o mestre de cerimônias da noite, mas ao menos agracie seus semelhantes com dois ou três sorrisos. Não dói.

Dentro da igreja, ajoelhe-se. No estádio de futebol, grite pelo seu time. Numa festa, comemore. Durante um beijo, apaixone-se. De frente para o mar, dispa-se. Reencontrou um amigo, escute-o.

Ou faça de outro jeito, se preferir: dentro da igreja, escute-O. Durante um beijo, dispa-se. No estádio de futebol, apaixone-se. De frente pro mar, ajoelhe-se. Numa festa, grite pelo seu time. Reencontrou um amigo, comemore.

Esteja, entregue-se.

Se não quiser participar, tudo bem, então fique na sua: na sua casa, no seu canto, na sua respeitável solidão. Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada.
   
           

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