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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Deslizando no ônix



Passei meu aniversário na Amazônia. Era um sonho antigo e, como não poderia deixar de acontecer com um sonho dos bons, a intangibilidade quando se torna palpável tem um sabor indescritível de coisa a ser guardada naquele ambiente onde se preserva, tal rosa em livro, a essência de sonho.

Na Amazônia, nos confins da Amazônia, a solidão, a escuridão, a luminosidade e o silêncio são sempre superlativos. De repente percebo, observando o existir passar em paisagem, que o planeta entra nos eixos. De uma forma ou de outra, os amplos espaços vazios construídos de amplidão alinhavada à amplitude elevam a consciência, colocando o ser humano no seu devido lugar na ordem das coisas.

É... Deveríamos, de fato, ser mais raros. Seria melhor assim como nesses sertões úmidos. Não fazemos a menor falta em larga escala.

Enquanto escrevo estou, mais precisamente, no Rio Negro. Há três dias adentro mais e mais esse país. País sem celular, internet, ou qualquer tipo de contato moderno com a realidade contemporânea. Aos poucos a alma se desapega de tudo. Resta a saudade daquilo que realmente faz falta na vida. Daquelas pessoas que são verdadeiramente importantes. O resto cai no devido e merecido limbo das desimportâncias.

E foi nesse contexto das importâncias colocadas nos seus devidos tamanhos e compartimentos que mais cedo, numa viagem de barco, fui tomado de emoção súbita. Vi-me deslizando sobre um mar de ônix. O escuro profundo do Rio conhecido não por nenhum acaso com Negro revelou-me, súbito, onde estava o verdadeiro ouro seu homônimo. Muito se fala sobre o petróleo ou o pré-sal, mas quando se tem o privilégio de regredir às essências acaba-se por perceber onde o verdadeiro tesouro está. E é todo nosso.

Adianto aqui que nunca perdi a noção da pequenez da minha empreitada. Apesar dos dias a fio embrenhando-me na mata, sabia que não percorria um centímetro sequer no mapa do Brasil. E, no entanto, quanto rio!... Quanta vida banhada pelo negro ônix encarnado em autoestrada formada pela grande riqueza que o homem, na sua multiplicação exponencial e futuro cada vez mais sombrio, acaba por ambicionar como bem mais precioso. O néctar que faz a vida possível: A água doce. Amniótico líquido abundante, gentil, fértil e repleto de seres indiferentes ao distante caos que construímos urbanamente. Quilômetros e quilômetros de vida em estado bruto, equilibrada e pulsante como reflexo de um universo que ninguém explica. Réplica aquática do balé estelar das galáxias. Tudo em seu lugar e na sua ordem.

Temperadas, assim, em encantamento, as horas se passaram. E assim foi.

Pássaros e botos coordenaram o entardecer de silêncio cantado em verso e prosa pelos sons da natureza. A noite caiu lenta e soberana. Nenhum aspecto ou pista do vibrar noturno das cidades. Simplesmente a escuridão que ressalta ainda mais a percepção de isolamento e impotência perante aquilo que deve ser a expressão maior do divino.

De repente, por detrás da floresta, surge a lua, eloquente. E com sua luz e reflexos completa os acordes dessa sinfonia perfeita de ensinamentos sobre a verdadeira dimensão das coisas e de nós mesmos.

Resta um agradecimento transmutado em prece. E o reconhecimento das coisas como elas deveriam ser. E sempre serão, de uma forma ou de outra.

A natureza sempre reage. A natureza é sincera. Nós é que embalsamamos os mortos.


Um comentário:

  1. "Quando eu não te tinha, amava a natureza como um mmonge calmo a Cristo. Agora amo a natureza como um monge calmo à Virgem Maria, religiosamente, a meu modo, como dantes, mas de outra maneira, mais comovida e próxima.Vejo melhor os rios, quando vou contigo pelos campos até a beira dos rios,sentado a teu lado reparando nas nuvens. Reparo nelas melhor. Tu não me tiraste a natureza. Tu mudaste a natureza. Trouxeste-me a natureza para o pé de mim. Por tu existires, vejo-a melhor, mas a mesma. Por tu me amares, amo-a do mesmo modo mas mais, por tu me escolheres para te ter e te amar, os meus olhos fitaram-na mais demoradamente sobre todas as coisas. Não me arrependo do que fui outrora, porque ainda o sou."

    Deslizei no ônix de uma maneira bem mais polida desta vez, dispensando os palavreados de entusiasmo que cuspi na primeira emoção... Não desenhe, amigo, mas escreva. Sempre.
    Para sempre sua amiga.
    E depois do sempre também.
    Com amor, tk

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