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domingo, 24 de janeiro de 2010

Os danos irreparáveis da reforma

   

O povo brasileiro, de fato, possui um parentesco enorme com os bovinos. Não pelo que esses animais são em sua nobreza, utilidade e tranquilidade, mas por aquilo que se convencionou desse comportamento plácido: a inoperância e a obediência bestializada e amorfa.

Isso fica absolutamente claro no caso da reforma ortográfica imposta, no ano passado, pelos burocratas ineptos de plantão. A justificativa de unificar a língua portuguesa não procede até porque países cujos povos são menos aparentados às vacas simplesmente a ignoraram, caso da pátria-mãe Portugal, por exemplo, que simplesmente não a considerou e não se fala mais nisso. Já por aqui... Bem, mais uma vez aceitamos bovinamente o inconcebível.

As pessoas frequentemente querem ser complicadas onde deveriam simplificar e se metem a serem simples e pragmáticas onde a questão é profundamente danosa. E não falo aqui do trema, já praticamente em desuso e, essa sim, uma mudança legítima causada pelo uso de uma língua viva. Nem do charme - agora decaído - de algumas belas junções de palavras com o hífen. Esses são casos que empobrecem a língua, mas possuem alcance menor naquilo que realmente conta: a seara moral das palavras. Sim, as palavras também tem uma moral que faz com que elas signifiquem o que significam em sua plenitude. E, nesse contexto, nenhum grupo delas foi mais aviltado que a ideia e suas congêneres.

Não cabe aqui entrar na demanda de explicações gramaticais. Como já disse, é na moral que reside o desastre. Senão, vejamos, começando pela própria idéia, que nunca terá o mesmo brilhantismo sendo uma pobre ideia que deveria soar, respeitando-se a fonética, com um “e” fechado e inconcluso. Trata-se de um dano moral irreparável. Nesse mesmo sentido, uma plateia (ou, com o perdão da utilização de um outro acento para indicar seu novo som, platêia) nunca será tão vibrante e terá os mesmos aplausos soantes e consoantes de uma boa platéia. E a patuléia, então? Uma forma mais digna e elegante de classificar a plebe ignara passa de palavra quase rara, e por isso valiosa, para a total insignificância de sentido em seu novo som se considerada ao pé da letra. E assim os exemplos se multiplicam.

Entretanto, nenhuma palavra é mais significativa para demonstrar os danos irremediáveis na grandeza da língua que epopeia. Num país já tão pobre de cultura e significados maiúsculos, jamais teremos uma epopéia de fato: Grandiosa. Homérica. Comparar uma épica epopéia com uma “epopêia” é, guardadas as proporções, como comparar um jogo de várzea com a final de uma copa do mundo. Desastroso dano que só poderia advir de um governo analfabeto que não possui a capacidade de entender a extensão daquilo que propõe.

Ficamos, portanto, nós, brasileiros, na posição histórica e ingrata de colônia, agora pateticamente colocada na posição de rato que ruge dando um tiro no próprio pé. O Brasil é, pelo que se tem conhecimento, o único rincão que deu alguma atenção concreta a essa nefasta reforma.

Resta, na terra do samba, suor e cerveja, uma vantagem que retrata bem a natureza da parte positiva da coisa toda: as mulheres extremamente feias, no dito popular, passam a ser, talvez, as únicas (além dos analfabetos de plantão - administração federal inclusa) que tiram alguma vantagem dessa triste fuzarca. Afinal, uma mocreia é sempre menos impactante verbalmente e na sua feiura congênita que uma legítima mocréia.


           

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